Hoje vou correr
Saltar e gritar
Hoje não vou crescer
Hoje vou é brincar
Quero reviver a criança
Que tenho dentro de mim
Quero ter a esperança
Que ela nunca saiu de mim
Temos estado longe
Ela sempre escondida cá dentro
Eu guiado pelo relógio
A batalhar para chegar sempre a tempo
Hoje quero atrasar-me
Não ter com o que me preocupar
Quero criar amizades e zangar-me
Quero poder gozar e arrotar
Vou ser o miúdo
Que andava de bicicleta
Que dominava o mundo
E que não era careca
Vou jogar à bola
No meio da rua
Vou visitar a escola
Vou subir a rua
Vou percorrer os caminhos
A correr e a saltar
Caminhos que já não percorro
Porque só penso em trabalhar
Vou ligar aos amigos
Do tempo de escola
Convida-los para virem comigo
Convida-los para jogar à bola
Vou mergulhar no rio
Saltar da árvore da curva
Deixar de me interessar
Se a água está limpa ou turva
Vou beijar alguma miúda
Como se fosse a primeira vez
Mesmo que ela seja graúda
Vou perguntar-lhe se já o fez.
Vou dizer que sou amigo
De toda a gente que conheço
Dizer que amigos tenho muitos
Dizer que a todos eu mereço
Vou fazer juras de morte
A quem não me escolher em primeiro lugar
Vou ter vergonha da sorte
Vergonha quando uma miúda me olhar
Vou fazer juras de amor
Prometer amor eterno
Esquecer tudo em redor
Ser um príncipe efémero
Vou voltar a chorar
Vou voltar a sonhar
Não me vou preocupar
Mas vou ter medo e assustar
Mas eu quero fazer tudo isto
Para reviver o rapaz
Que movia todo o mundo
Que de tudo era capaz
Vou querer ouvir
A minha mãe a chamar
Enquanto me estava a divertir
Porque já era hora de jantar
Quero ver a cara de zangada
Que ela punha
Quando eu asneirava
E ele à força a ordem impunha
Quero ver o meu pai
Voltar de trabalhar
Sentar-se no sofá
E eu, desafia-lo para brincar
Quero estar com o meu irmão
Andar a bulha com ele
Brincar-mos em conjunto
E ganhar a roupa dele
Agora já sou grande
Já não sei a que cheira a terra
Conheço os valores das coisas
Mas aprisionada, a criança em mim berra.
Vou voltar á infância
À falta de consciência
Reviver e aproveitar
A falta de demência
Porque quando crescemos
Tudo se transforma e muda de aparência
Os valores perdemos
E ganhamos a demência
. Demência